terça-feira, 19 de novembro de 2013

Praia

Entre que céus passeia a minha alma,
Nesta Babilónia, de mim já tão cheia?
Quisera eu ter apenas tanta calma,
Fugir da lua, voar, passear na rua
Olhar Atenas, ciar, jurar promessas,
E por fim, apenas, junto à terra feita mar,
Dizer, dar um só sentido,
Mentindo verdades, feitas de areia!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Depois

Sinto que se me foge a vida,
Como a água por entre dedos,
Dessa fonte onde faleceu a sede,
Um dia na infância perdida!
Vejo um lago sem margem,
Neste deserto de areias feias,
Onde a voz rouca da alegria,
Não passa, agora, de vã miragem.

Por entre ventos de rajada,
Murmúrios e langores,
Vozes de cana rachada,
Gritam ritmos de tambores.

Ficamos pois nós dois,
Ferozmente solitários,
À espera de um depois,
Ou talvez mesmo vários,
Onde haveremos de chegar,
Se bebermos dessa fonte,
Que havemos de encontrar,
Do outro lado desta ponte!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Lençol de vida

Em sal banhas minha face
De lágrimas lavada pela noite
Mas que tragas de manhã
Pelas costas um açoite
Pelas mãos de quem passe
nesta estrada de vida vã!

Mas não deixes, caminhante,
De chorar quando acordes!
Pode ser que na vida errante,
Pela tarde te recordes
Da dôr cega e ressequida
Que foi tua cama na vida!



Abril 2010

domingo, 13 de junho de 2010

O Velho Casarão

Pelos cantos da biblioteca,
Escorrendo de uma fresta,
Dorme o pó ao som do sol.
Junto à estante uma boneca,
Que um dia cheirou a giesta,
Parece olhar aquele lençol.

Um silêncio range a porta
E sussurra o cortinado;
O escuro brilha solitário.
O passo parece que corta
Aquele tapete desbotado.
Pesa o tempo um relicário!

Num canto mais afastado,
Junto à secretária velha,
Jaz o corpo duma poltrona.
Tem o dorso bem tapado,
Um mocho por parelha,
E uma mesinha solteirona.

Lá fora o relógio da torre,
Grita ao alto o meio-dia.
É coisa bem do seu agrado,
Por lembrar, agora que morre,
O passado em que se ouvia,
Gente em casa do Morgado.


Leonel Auxiliar, Serpa, 13.06.2010 122 anos do nascimento de F. Pessoa

Tudo Ou Quase Nada

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Então uso, abuso e depois... Deito fora!
Já não sobra de querer, nem que viver.
As asas já não voam além da entrada,
A vida não dura mais que uma hora,
E mal nasci, já estou quase a morrer.
Só tenho voz, apesar de muito cansada!

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Amo hoje, amanhã não... Ou talvez...
De dia, já muito pouco me importa,
À noite, até que venha a madrugada,
Atravesso a cidade de lés a lés,
Corro as horas de porta em porta,
No leito a alma deito, embriagada!

Quero e não quero! Tudo! Mais nada!
Vendo a alma a um qualquer diabo,
Sonho ainda, como fosse só menino,
Falo muito quando não digo nada,
Mas visto bem, ao fim e ao cabo,
Havia de ser este o meu destino!
E tenho tudo! Tudo, ou quase nada!




Leonel Auxiliar, Serpa 13.06.2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

Mondego

Água fria, translúcida e branda:
Cantas baixinho versos e melodias,
Histórias de reis, anjos e fantasias,
E ainda dizes a quem por ali anda,
Que quem te não souber ouvir,
Melhor não ande por essa banda.
E a quem te queira escutar,
De pedra em pedra, monte abaixo,
Quando danças entre rochas e urzes,
De fio vais chegando a riacho,
Com lua, sol e estrelas por luzes,
Mostras que é chegada a hora!
De só nascente te fizeste ribeira,
A todos saciaste a sede e, agora,
Na louca corrida da tua esteira,
Ora és bandido, ou então menino,
Galgas a margem, fazes asneira!
E no vale a que meteste caminho,
Entre pastos e grandes serranias,
Onde as águias fazem o ninho,
Dizem que passas agora os dias,
Como um ébrio cheio de vinho:
Inclinas um lado, tombas outro,
Galgas terras, trilhos e pontes,
Sangue na veia de jovem potro,
Bebes água de todas as fontes,
Parece que marcaste encontro.
Estás feito grande estudante,
Passas vaidoso no meio da rua,
Entras manso ou de rompante,
E ainda serves de Musa à lua.
Ao fim, cansado de tanto dançar,
Tens descanso, resta já pouco,
E tu nem sonhas abraçar o mar.
Ao cabo, nada resta daquela fonte,
Nem nada que te faça lembrar,
Onde nasceste, no cimo do monte!
Escutam-te então como ao louco,
E sabem que sonhas apenas,
Feito rio grande, quieto e rouco,
Com todas as mulheres de Atenas.



Leonel Auxiliar 08.06.2010

domingo, 6 de junho de 2010

Os Loucos

Caminham trilhos desfeitos, abrem portas fechadas
E entre jeitos e trejeitos, dizem certezas sonhadas;
Trazem o céu nos olhos, uma nuvem nas mãos,
Sorrisos aos molhos e são todos seus irmãos.

E em madrugadas frias, quando beijam as alvoradas,
Adivinham os dias, sem memórias guardadas...

Tudo pintam a cores: as dores? São flores;
Cidades? São campos! E festejam as tempestades,
Dos Invernos infernais, vivendo os vendavais,
Trovões e ventanias, como se fossem romarias.

E em madrugadas frias, quando beijam as alvoradas,
Cantam os dias, com vozes apaixonadas...

E um dia, também eu, chegando ao mesmo céu,
Vindo da vida incerta, trazendo a alma ao léu,
Carregando no corpo, nada mais que as mazelas,
Olharei o firmamento, hei-de contar as estrelas...

E em madrugadas frias, beijarei as alvoradas,
E cantarei os dias, sem memórias guardadas!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Carta A Meus Filhos

Nem por sombras vos sei dizer
Das pedras, estradas, calçadas,
Dos passos, incontados, infinitos,
Em que me quis, um dia, perder...
Das horas, momentos, lamentos,
Da dor lancinante, do prazer,
Amores, paixões, namoros idos,
Das horas vagas, dias, meses,
Em que o diabo se perde às vezes...

Depois veio o tempo do recreio,
Do ócio, romarias e tantas festas,
Com Baco e Lira pelo meio,
Da folia louca, livre e sem arestas...
Cego pelo tempo que se não conta,
Surdo pelo vento que não tem idade,
Na certeza de que nada nos amedronta,
Descuidando a segura eternidade,
Jurei aos céus a imortalidade!

Em vão, porém, buscando na terra a paz,
Nos astros vislumbro, por um momento,
O que seria uma vida sem tormento,
Se jamais passasse nesses trilhos,
Onde agora, cansada, minh' alma jaz.

Olhando atrás e com remorso,
Apenas posso pedir-vos, meus filhos,
Que, se um dia virem esse corso,
Fujam correndo dessa luz,
Para que não tomem a mesma cruz!



Leonel Auxiliar 01.06.2010 (Dia da Criança)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Bairro alto

Dez mil são todas as cores,
Enfeites, brilhos, vestidos,
Sorrisos, olhares traidores,
Lágrimas, amores traídos,
Vencidos e vencedores,
Juntos, todos, diluídos.

Que ruas são estas, funestas,
Paredes meias com o riso,
Janelas entreabertas,
Negrume quase fresco,
Entre odores de narciso
Gente de sorriso grotesco?

E que vozes estas, soluçadas,
Entre choros de uma criança,
Promessas sempre quebradas,
Pela luz que nunca alcança
Nem mesmo o chão da calçada
Ou a massa de gente que dança?

Cidade que se me ajoelha,
Pela calada de muita noite,
Fora e debaixo de telha,
Onde o pio duma gaivota,
Que não tem onde se acoite,
Soa a falso mas não se nota.

Sombras esguias se finam,
Silêncio pesado, de basalto,
Vozes roucas que desafinam,
Como num ensaio para palco,
Luzes que já não iluminam,
Tudo isto é o Bairro Alto.



Leonel Auxiliar 05/2010

Prece Titânica

Éolo que sopras as copas
Do azinho, castanho e pinho,
Destino incerto por caminho:
Traz-me novas do meu destino;

E tu, Tétis em que navego,
Com Poseidon por amigo,
Olha o fardo que carrego:
Traz-me um porto de abrigo;

Ainda tu Selene, minha lua,
Cega Hipérion um instante,
Que faça de Febe musa sua
E traz-me um rio que cante;

Não te fiques Hera, tu também,
Rainha de um Olimpo qualquer,
Não me votes ao desdém
E traz-me Héstia por mulher.

Pede a Zeus, teu senhor,
Que Afrodite afaste de mim
Ou antes deixe morrer de dôr,
Quem teve uma sorte assim!


Leonel Auxiliar 05/2010

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um Céu Ocidental

Um Céu Ocidental

ai voz que sobes em flecha
...nesta fraga inclinada
entre núvens de um deserto
...onde o mar cala o vento
porta que abre e não se fecha
...voz de oiro e riso lento
não há longe nem há perto
...ali a moira encantada
poeta a quem tudo serve
...ora mente ora desmente
entre versos ela escreve
...sobre a areia doirada
onde nunca passa o tempo
...esta dôr que se não sente


Leonel Auxiliar 2010

quarta-feira, 3 de março de 2010

Atlantis

Há 12 anos atrás quando dormia na Rua Augusta em Lisboa durante uma muito falada greve de fome pela liberdade de expressão artistica nos espaços públicos, roubaram-me um caderno que continha cerca de quarenta poemas de um projecto que se chamava "Beába vai à guerra dos malmequeres aprender trovas de asfalto para cantar a Atlantis".
Sei quem o fez e nunca consegui entrar em contacto com esse senhor (?), infelizmente!
Alguns poemas aparecem em pequenos pedaços de papel perdidos entre o baú das minhas memórias. Hoje fui encontrar um escrito, se não me falha a memória, em Junho de 1996: ATLANTIS.



Sobe ao cimo do meu ser
E contempla:
A teus pés, o vale que vês,
E além, a montanha
Com seu rio de través,
Cuja beleza, tanta, tamanha,
Só comparo a teus olhos e tez.

Vem, corre Atlantis,
Apaga este fogo,
Alma incendiada
Pelas gotas do mar
Que te escorrem dos cabelos
E te deixam a pele molhada.

Vê as flores e prova o mel;
Sente o odor do seu incenso,
Pairando no Arco-íris
Estampado em teu olhar intenso.
Ouve o rufar do tambor!

segunda-feira, 1 de março de 2010

Longínqua

Ao longe o gamo salta
Manhã cedo na savana
O capim seco e alto
Desespera já

Queima o calor
Onde se esconde
O predador.

O rugido é quando a dor
Cansada da corrida
Se entrega em frenesim
Ao final da vida.

O voraz alado
Vigia o capim
Lá do azul pesado.

O pó recusa a brisa
Salpica os bichos
Quando empurrado
Pela feroz batalha.

O sangue escorre
Na pisada palha
O gamo morre.


Beja, 26.11.09

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Fim de tarde

Púrpura flor só
Que iluminas o ocaso
Neste resto de dia.
Não cabe no teu vaso
Toda a alegria
De te poder soprar
Em derradeiro expiro
Um pouco de vento.

Desse vento que choras
Quando ouves chegar
Prestes a luz diáfana
Acordada pelo chilreio
De um bando de pardais.
São crianças no recreio
Que cantam a azáfama
Dos voos matinais.

Que forma mais bela
Esse teu pendor altivo
Perante a certeza
De nunca mais voltar
A viver um momento
Para poder olhar
Tanta grandeza
Tanto movimento.

Anunciada calma
De pastos verdes
Promessa feita
Entre paredes
Numa cama
Onde agora jaz
Uma alma
Desfeita.

Madrugadora
Névoa
que
Se
Faz
Em
Nada
.

24.11.2009

Promessa

Poucas palavras são demais
Para dizer o que já não sinto.
E mais minto se disser ao vento
Que ainda há muito que navegar.

Cordame tendido de vendavais
Há-de parecer a quem olhar
Que aquele contentamento
Nunca houvera de acabar.

Mas quis antes o mau destino
Fazer surgir bem a meio mar
Na voz cantada de uma sereia

Com céu revolto em desatino
Num sonho de espantar
Uma promessa de lua cheia.




Beja 23.11.2009

Feiticeira

Pela bruma azul de uma manhã
Molhada rua de orvalhos
Promessa de primavera
Vi-te chegar.

Neblina de flores
Em diáfano bailado
Sereia de doce andar
Olhar de quimera
Sorriste âmbar.

Revelam-se profundezas
Silêncios agargantados
Miradas esquivas
Mar de incertezas
Coraste o mundo.

De tanto colorir
Este ar que respiro
Teu corpo exala o desejo
Que me trespassa o peito
De dar-te um beijo.

Não contente meu sonho
Levou-me em asas brandas
Viver o futuro
Que agora passou.
Suspiraste a lua.

Por fim, cansado
Quase morto
Vejo outro passado
Com outra rua
Como aquela
Onde ficaste nua.


21.11.09 Beja

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Relógio

Porque rodas tu relógio
Como se quisesses voltar
Numa corrida louca
Sempre ao mesmo lugar?

E porque não páras tu
Em resoluta imobilidade
Quando chega sem aviso
O fim de uma idade?

Minutos que desgastas
Em certezas de chegar
E nem um ousa sequer

Em revolta espectacular
Rodar contra o destino
Dessa vida que arrastas.

Beja, 18.11.2009

Abrigo

Por não ser fui buscar
Ao fundo do inferno
A voz de um caminho
Que me dissesse ao menos
Onde fica esse lugar.

Sábio e mago
Senhor e doutor
Fulano engenheiro
Gente de olhar vago
Que por não sentir dor
Melhor soubesse dizer
Onde fica tal lugar.

Entre caminhos tortos
Estradas de países remotos
Debaixo de chuva fria
Desertos em brasa
Alguem que me diga
Onde fica aquela casa.

Numa vaga névoa
Uma sombra sem tino
Quase quebra o silêncio
Onde se esconde tremida
A voz do viajante
Em busca do seu destino.

E ninguém no seu juízo
Com olhar mais atento
De quem nunca duvida
Poderá jurar de pé
Que atrás aquele vento
Há-de haver uma guarida.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Ícaro

Caí! Mais uma vez, Caí!
Tombei do sonhar alto
Por fugir à mesquinhês
Dos que vivem o fim do mês
Junto ao solo de asfalto.

E mais uma vez me levanto!
Uma; e outra; e outra ainda,
E tantas quantas eu cair,
E ainda mais uma vez!

E se o dia chegar
Em que eu ouse aprender,
Sem cair!,
O segredo fino de voar,
Ainda mais alto hei-de subir!

Leonel Auxiliar 1995/96

Ocaso

Aqui é o ocaso
E minh' alma cansada,
Confessa poemas
Perdidos nas rugas
Da roupa que tem por morada.

Pintou-se de brumas, de sangue,
de flores, de noivo, de luto
E de mil cores e dores

Entre as brasas que pisou,
Bebeu néctar e lodo,
Comeu natas e nadas e pão!
Pão que o diabo amassou!

Agora rima,
Perdida, caída,
Mas não vencida,
Por ter ousado, um dia,
Haver vestido a vida!

Leonel Auxiliar 1995/96

Rumores

Há rumores na cidade!
Dizem os que chegam do mar.
Uns, só por necessidade,
Outros porque querem voar.

Geometria improvável
Esta que me desenha o ser:
Entre a vontade de viver,
Passa a linha do sofrer.
E não cabe neste poema
A necessidade de morrer.

Vê tu, Nau que minh' alma levas,
Quão mais altas são estas marés,
Que se não fossem ao rés-vés,
Haviam de trazer as trevas,
Escuras e feias teias,
Que mais não têm que fazer
Do que fazer-me viver!

Leonel Auxiliar 2008

Navio

Numa parede esticada
No meio da janela
Quase quadriculada,
Vi chegar uma alma.

Respirar? Não sei se sabia!
Andar? Talvez não!
Mas o certo é que ia
Muito, muito apressada.

Voava quiçá, lágrima presa,
Nos olhos, o vazio cheio
Duma dor desconhecida.
E um peito que inchava!
Melhor dizendo: ofegava!

Era de certo uma vela
Que, avistada a foz do rio,
E não querendo ser navio,
Apenas ansiava
Beber todo o vazio!

Leonel Auxiliar 2008

Convés

Vês tu as torres além?
E aquelas sombras vermelhas,
Sangue de uvas velhas?
E sofres porém...

Até quando hás-de andar
Pelo convés desta vida,
Onde levas a passear
A tua alma caída?

Leonel Auxiliar 2008

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Esperando a Maré

Não me digas da tua espera!
Não me fales do vazio das horas;
Não me leves por qualquer rua
Onde aquela que tu adoras
Bela mulher de vestido, ou nua,
Ao sol, na praia, ao som da lua,
Por ser só quem queria ser,
Deixou de ser para ser só tua!

E se fores e não voltares,
Como o barco naufragado,
Mais fique do sonho dourado,
Do que os restos no fundo
Deste mar encrespado
Que cobre todo o mundo!


Leonel Auxiliar 2008